domingo, 23 de agosto de 2009

Professor da Católica apresenta projeto que deu origem ao Simpósio Nacional de Alvenaria Resistente


Dando continuidade ao primeiro dia do Simpósio Nacional de Alvenaria Resistente, o professor do Mestrado em Engenharia Civil da Católica Romilde Almeida apresentou os detalhes do projeto “Desenvolvimento de modelos para recuperação de edificações construídas em alvenaria portante”. Em seguida, cinco convidados de outras universidades brasileiras expressaram suas opiniões e dúvidas acerca do trabalho, desenvolvido desde 2005 pela Universidade Católica de Pernambuco, Universidade de Pernambuco (UPE), Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do estado e Ministério da Ciência e Tecnologia.
O projeto coordenado pelo professor Romilde refere-se aos problemas apresentados pelos prédios-caixão na Região Metropolitana do Recife. Acidentes, rachaduras e desabamentos tornaram-se comuns, devido a erros de construção e falta de qualidade dos materiais utilizados. A inadequação teve início na década de 1960, quando houve uma onda de financiamentos públicos para construções populares em larga escala. De acordo com Romilde, a opção por prédios-caixão (até quatro pavimentos) deve-se à tentativa de aproveitar o espaço dos terrenos. Em menos de vinte anos, foram erguidos milhares de edifícios, cujos apartamentos tinham áreas de 100 ou 120 metros quadrados. “Não havia preparo tecnológico e, devido à falta de tempo (precipitação), começaram a construir sem a análise adequada, improvisando blocos de vedação – que só aguentam o próprio peso, usados para paredes – com a função estrutural”, explicou Romilde.
Nos anos 1980, a inflação dificultou a aquisição de apartamentos no país. Junto ao desmonte da engenharia no Brasil, vieram as reduções das áreas de moradia para 80, 60 e até 42 metros quadrados e, consequentemente, a queda nos preços. Viver em um edifício tornou-se mais barato, porém mais arriscado, já que a construção civil deixou de utilizar cintas e vigas, por exemplo, simplificando as fundações. “Não existia controle de qualidade. A cerâmica, base de muitos prédios, não era aquecida até 900 ou 950 graus, o que lhe confere o caráter estático. Disso, instalou-se um quadro de manifestações patológicas, que, nos casos extremos, chega ao desabamento”, afirmou o professor.
O projeto “Desenvolvimento de modelos para recuperação de edificações construídas em alvenaria portante”, orçado em R$ 230 mil na época de elaboração (2004/2005), analisou os 12 acidentes graves ocorridos com prédios-caixão no Grande Recife. No total, foram 11 demolições e 11 mortes, entre 1990 e 2009, além de cerca de 200 edifícios interditados por falta de segurança. “A Região Metropolitana tem seis mil prédios-caixão e 72 mil apartamentos, onde residem 250 mil pessoas, isto é, dez por cento de sua população total. A chance de colapso, portanto, é de um para cada 500 obras, muito mais elevado do que a taxa concebível (um para cem mil)”, denunciou Romilde.
A fragilidade das construções, de acordo com as observações do trabalho, tem diversas causas: materiais e mão de obra inadequadas, erros de execução, entre outras. A lista conta, ainda, com problemas nos critérios de cálculo utilizados no planejamento das obras. Os seis mil prédios-caixão do Grande Recife foram erguidos com base em uma divisão do índice de resistência média do bloco pelo fator de eficiência. Hoje, conforme a NBR 10837, o cálculo é bem mais complexo, envolvendo, ainda, a altura e a espessura efetiva da parede e a resistência média do prisma. Segundo o professor Romilde, a diferença nas fórmulas revela um equívoco gritante: “O resultado anterior é três vezes maior do que o atual. Em outras palavras, isso significa que os engenheiros acreditavam que determinado bloco poderia suportar o triplo de peso do que, de fato, é capaz”.
Durante a apresentação, o professor Romilde Almeida exibiu fotografias de alguns prédios-caixão do Grande Recife destruídos graças ao mau planejamento da obra. Ele explicou, brevemente, sobre os problemas específicos do Conjunto Residencial Bosque das Madeiras, Edifício Aquarela, bloco B do Conjunto Enseada de Serrambi, Edifício Éricka, Edifício Ijuí, Edifício Sevilha, bloco 155 do Conjunto Residencial Muribeca e uma construção no município de Ponta de Pedras. Neste último caso, foi usada areia fraca, extraída de um córrego próximo ao local, na parte de alvenaria, em vez de buscar o material adequado em uma jazida. A economia e comodidade dos construtores causaram sérios transtornos a dezenas de pessoas.
O projeto “Desenvolvimento de modelos para recuperação de edificações construídas em alvenaria portante” fundamentou-se na pesquisa in loco (observação experimental) e na análise computacional das construções. No total, foram estudados 174 paredinhas e mais de 500 blocos e 700 prismas. As características da areia, do saibro e do cal e as possibilidades de mistura entre esses elementos na elaboração de argamassas, também, foram objetos do trabalho.
Resutados
Os quatro anos de projeto geraram diversos frutos dentro da academia. Dele, tiveram origem duas teses de doutorado (uma concluída e uma em andamento), nove dissertações de mestrado e dez bolsas de iniciação científica. Outras duas teses de doutorado (uma concluída e uma em execução) são relacionadas à abordagem do trabalho.
Destacam-se, ainda, a formação de um grupo de estudos de alvenaria no Nordeste (www.gpalvenaria.eng.br) e a criação de três projetos de pesquisa (Finep/Morear, CNPq Universal-Unicap e Proacad Unicap-USP). O Simpósio Nacional de Alvenaria Resistente, uma das oito metas do projeto, contribui para a intenção de tornar públicas as observações, análises e propostas de soluções encontradas na pesquisa. Nesse sentido, ainda em 2009, será disponibilizado, no site da Financiadora de Estudos e Projetos (www.finep.gov.br) um manual de recuperação de prédios-caixão produzido pela equipe do estudo.
Além desses avanços, o professor Romilde Almeida apresentou, durante a exposição do projeto, uma série de ações técnicas e políticas que vêm sendo tomadas, desde 2000, para a recuperação e qualificação da construção civil em Pernambuco. Conheça algumas das iniciativas:
- Profissionais de engenharia elaboram um documento sobre o problema e enviam ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) de Pernambuco, em 2000.
- Seminário técnico do Crea divulga os riscos para os engenheiros do estado, em 2000.
- Aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Olinda para investigar os desabamentos na cidade.
- Criação de disciplinas específicas de alvenaria estrutural nos cursos de graduação e pós-graduação de Engenharia Civil no Recife.
- Caixa Econômica Federal cancela linhas de financiamento para construção de prédios em alvenaria resistente.
- Criação de projeto de pesquisa para estudo de modelos de recuperação.
- Ministério Público estadual e federal impetram ação civil pública contra prefeituras do Grande Recife e Caixa Econômica Federal.
- Criação de legislação por algumas prefeituras da Região Metropolitana, regulamentando a construção em alvenaria estrutural.
- Criação de fóruns e grupo de trabalho (formado pela Secretaria das Cidades de Pernambuco).
- Incorporação das diretrizes do grupo de trabalho à lei 13032 da Assembleia Legislativa de Pernambuco.
- Governo de Pernambuco sanciona a lei 13032 no que se refere, exclusivamente, aos prédios-caixão (originalmente, a lei era voltada para prédios de qualquer natureza; adiante, passou a englobar, também, pontes, viadutos, estádios e ginásios).

Por Tiago Cisneiros