sábado, 29 de março de 2008

Na construção civil, uma prosperidade rara ao longo da história

28/03 - 20:47, atualizada às 04:23 29/03 - Paulo Moreira Leite

Esta é a terceira de uma série de reportagens sobre o crescimento da economia brasileira. Muitos analistas acreditam que o Brasil se encontra às portas de um novo patamar de desenvolvimento: o consumo popular deu vários saltos, a produção de automóveis chegou a um nível recorde, as exportações explodiram. Mas a falta de investimentos em infra-estrutura coloca interrogações sobre o futuro, a desvalorização do dolar e a abertura comercial tem prejudicado setores importantes da indústria. No centro do crescimento se encontra a construção civil, atividade que cresceu 80% em dois anos e pode crescer ainda mais em 2008. O risco de aumento de preços dos fornecedores já preocupa a maioria dos empresários, porém. A quarta reportagem da série será publicada na terça-feira próxima.


Com a experiência de quem, há 25 anos, deixou uma lavoura no interior da Bahia para tentar a sorte em São Paulo, o mestre-de-obras Alírio Martins Ribeiro, 43 anos, descreve de forma simples e direta o momento atual da construção civil: "Eu nunca fiquei desempregado," conta ele. "Mas sempre via uma fila de pessoas na porta de toda obra onde trabalhei. Era gente procurando emprego. Agora ninguém aparece."

No universo da prosperidade brasileira, a construção civil é um dínamo nervoso, que tem cumprido a reconhecida função de ativar o crescimento, mobilizar atividades produtivas, espalhar a riqueza e gerar empregos. Para cada novo posto de trabalho aberto num canteiro de obras, costuma-se criar oito novos empregos indiretos, seja na imensa rede de fornecedores que se mobilizam para atendê-los, ou nas mercearias e botecos das vizinhanças, e até nos anúncios publicitários que serão usados para animar as vendas.

A renda média dos compradores de imóvel não deu grandes saltos nos últimos anos. O crescimento tem sido alimentado pela abertura dos cofres federais, que assegura crédito para imóveis de baixo valor – o padrão é um apartamento de 2 quartos, ao preço estimado em R$ 45 000 em São Paulo. Os recursos tem sido oferecidos com fartura. Este ano o dinheiro disponível pelas cadernetas de poupança chegará a R$ 22 bilhões, contra R$ 18,3 no ano anterior. O salto do FGTS é ainda maior: de R$ 11 bilhões para R$ 17 bilhões. Englobadas no Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC do governo federal, as obras de infraestrutura representam um crescimento de 800% em relação ao ano anterior.

"Mesmo que nem todas venham a ser realizadas, já será um crescimento enorme," avalia João Cláudio Robusti, presidente do Sinduscon-SP. O próprio Robusti reconhece que o calendário político contribui para acelerar o ritmo dos trabalhos e facilita a liberação dos recuros. No fim do ano haverá eleições municipais nos mais de 5 000 municípios brasileiros, atividade que costuma inspirar governantes de todos os escalões a realizar investimentos públicos.

Se o número de brasileiros empregados na construção chegava a 1,4 milhão de assalariados em 2005, esse patamar saltou para 1,7 milhão no final de 2007, num crescimento de 20%. Na Grande São Paulo, os lançamentos novos deram um salto de 33.744 imóveis em 2005 para 59.403 em 2007, ou 80% em dois anos. Quem acha que é muito não perde por esperar, alertam os empresários. "Em 2008 a previsão é crescer ainda mais," afirma Maurício Bianchi, diretor do Sinduscon-SP e proprietário da BKO. "Na minha empresa, achamos que será viável crescer 200%."

No ritmo atual, a procura por mão-de-obra não pára de aumentar e o salário dos trabalhadores caminha a passos largos. No último dissídio, a categoria conseguiu reajustes duas vezes maiores do que a inflação. Se o custo de vida cresceu 4,78 % entre 2006 e 2007, o salário de um pedreiro subiu 11,7%; o de um servente cresceu 11,2%; e o de um engenheiro civil, profissão que ameaçava virar suco duas décadas atrás, aumentou 15,08%. "Não é só a construção de imóveis que está crescendo," observa o mestre-de-obras Alírio Martins Ribeiro. "As obras do metrô foram retomadas, e tem muita gente trabalhando em outras grandes obras públicas.

Funcionário veterano da Haruo Ishikawa Engenharia, Alírio responde pelos trabalhos num edifício em fase final de construção na Vila Mariana, em São Paulo. No esforço para cumprir os prazos de entrega e evitar o assédio da concorrência sobre os empregados, o treinamento e promoção de funcionários tornou-se um hábito frequente. Entre terceirizados e contratados, o canteiro mobiliza pouco mais de 20 trabalhadores. Destes, quatro foram promovidos durante a construção, passando a embolsar um reforço mensal em torno de R$ 150, quantia belíssima para quem tem um salário base de R$ 680. Para manter os trabalhadores satisfeitos, a empresa costuma distribuir prêmios específicos por tarefas especiais, o que só aumenta o holerite no fim do mês.

Os estudiosos acreditam que o país tem um horizonte de 8 milhões de imóveis de qualidade que precisam ser construídos para atender ao chamado déficit habitacional. Esse volume transforma os resultados recentes em pouco mais do que migalhas. Há muito espaço para crescer, dizem os empresários. João Cláudio Robusti faz uma comparação: "o crédito para a construção está em menos de 5% do PIB. No México é 12%, no Chile chegou a 16% e na Espanha é 40%."

"Se fizermos um trabalho direito, poderemos manter essas taxas de crescimento por dez anos," estima Maurício Bianchi. Essa visão é partilhada pela maioria dos empresários, diz um levantamento representativo junto a empresários da construção. Realizada em fevereiro deste ano, com auxílio da Fundação Getúlio Vargas, a 34a. Sondagem da Construção mostra um ambiente geral de otimismo. Conforme a pesquisa, nem as enormes turbulências da economia americana "tiveram efeito perceptivel no humor dos empresários". De acordo com a sondagem, houve um crescimento de 12% na perspectiva de melhoria nos negócios. A idéia de que o desempenho do setor será melhor cresceu 19% e a noção de que haverá um aumento no volume de negócios aumentou 21%.

O mesmo levantamento mostrou, contudo, uma preocupação tradicional, freqüente em outras situações, quando a construção viveu etapas de crescimento acentuado. Mais da metade dos empresários mostra-se preocupada com o aumento da inflação -- forma elegante de dizer que os custos cobrados por parceiros e fornecedores começaram a subir além do recomendável. Ninguém acha que este fator irá comprometer os bons frutos de 2008. O que se questiona é a possibilidade de criar obstáculos para os anos seguintes.

O problema é que o país já viveu alegrias parecidas – que terminaram em ressacas fortíssimas. Em 1997, quando o Plano Real vivia seu melhor momento, o total de imóveis construídos na Grande São Paulo chegou a 63.296– ou 10% a mais do que em 2007. O Sinduscon-SP não tem dados completos, mas seus diretores recordam que, quando se compara o número de novos lançamentos com o tamanho da população, deve-se observar que o crescimento de hoje é ainda modesto ao lado do que se fazia nos tempos do milagre brasileiro. "O boom está apenas começando," diz Bianchi. "Se o país souber aproveitar este momento, poderemos gerar um crescimento de verdade, em taxas altas e por um período prolongado."

No passado, a construção civil cumpriu um ritual mais ou menos conhecido e previsível: após uma fase de euforia, os preços internos disparavam, os custos iam para a estratosfera -- e tudo acabava em recessão. No presente, este risco primário pode ser compensado em função da China, sempre capaz de atender encomendas no prazo, com a qualidade que o freguês puder pagar.

No final de 2007 um grupo de 20 empresários brasileiros foi à China para conhecer de perto o funcionamento do verdadeiro motor da economia mundial -- tão poderoso que, acreditam muitos deles, será capaz de manter o crescimento do Brasil e de boa parte do planeta apesar do descarilhamento da economia americana. Numa viagem de trabalho de 14 dias, os empresários brasileiro visitaram fábricas, conversaram com executivos, fizeram comparações e retonaram convencidos de que a China tem tecnologia, mão-de-obra e dinheiro para ser um parceiro em caso de necessidade. "Se nós pensarmos como país, temos o dever de fortalecer a produção interna," diz Bianchi. "É até uma questão cívica. Mas os chineses podem fornecer a janela de alumínio do jeito que queremos, a maçaneta da porta que se fizer necessária e assim por diante."

O empresário está convencido de que chegou a hora de sentar e conversar com os parceiros para fazer acordos capazes de manter o crescimento. "Não podemos permitir que o aumento de preços descole da curva do empreendedorismo," afirma Bianchi. No passado, essas negociações sempre foram tentados em momentos de crescimento – e acabaram apenas referendando a regra de quem pode mais chora menos. O futuro dirá se, desta vez, pode-se escrever uma história diferente – ou se teremos apenas a reprise de uma velha melodia.

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